Viva o Alberto!

vô
Hoje era pra ser 105.
Hoje já estaríamos com as roupas separadas, as visitas hospedadas, a família animada, porque hoje era pra ser 105.
Já teríamos passado os últimos vinte dias discutindo sobre onde, qual banda, qual o menu, quais os convidados, qual o formato, quais as homenagens faríamos.
Tudo, claro, sem a sua anuência, mas como o Lord que sempre foi, no fim, sempre curtia e sorria para receber a todos que vinham só e exclusivamente para lhe ver.
E como era bom te olhar, vô! Como era bom pedir sua benção, ouvir sua voz firme e mansa ao mesmo tempo. Como isso nos dava segurança.
Tínhamos uma Fortaleza de mais de cem anos. Parecia até livro de história. Nossa família era uma lenda.
Enchíamos a boca pra dizer: Meu avô tem cem anos e tá lúcido, lúcido. Ainda trabalha, ainda viaja…
Privilégio!
Mas hoje não tem mais. Fiquei me perguntando para onde eu poderia ir para me sentir perto do senhor. Qual lugar eu poderia estar pra que o senhor se sentisse homenageado e eternamente amado.
Bate uma angústia quando eu penso que o senhor não está mais lá.
Desde que o senhor se foi, sempre evitei lidar com sua perda, imediatamente lhe coloquei no patamar de meu protetor e faço de tudo para crer que o senhor está do meu lado nos momentos de aperreio e te agradeço sempre por todas as minhas conquistas.
O senhor me ouve vô?
Tô no rumo certo?
Queria poder ir lá conversar com o senhor. Comer um docinho de leite, mesmo eu tendo evitado tal delícia depois que deixei de ser criança e passei a contar calorias.
Iria pedir pro senhor recitar Olavo Bilac falando das estrelas e, se não fosse pedir muito, ia querer ouvir a Ceia dos Cardeais.
Ia lhe contar do TRUMP e do TEMER e iria pedir pro senhor me dizer que tudo ia ficar bem, que desde 1912 o senhor acompanha esses políticos e sobreviveu a eles todos.
Precisava da sua sabedoria, vô.
Ia lhe contar como estava a minha vida no Rio de Janeiro, que finalmente me mudara pra lá e morava bem pertinho de onde o José de Alencar fica contando os bondes que vem pela Senador Vergueiro e vão pela Marquês de Abrantes. Ia lhe falar que a Lapa continua tudo de bom e iria amar ouvir suas histórias de lá.
Certamente nessa mesa não estaria só eu. Se tem uma coisa que o senhor fez a vida inteira foi agregar as pessoas.
Chegariam seus filhos, alguns netos, um tanto de bisnetos, suas filhas gringas igualmente amadas e acolhidas. Sentariam num sofá próximo seus amigos de São Paulo, os primos de Brasília, do Sul e desse mundo todo. Viriam também suas sobrinhas, sua cunhada, um ou outro de Aquiraz que queria ver o NOSSO Alberto.
O senhor era de todos, vô. Mesmo sendo pessoa discreta, todo mundo se sentia um pouco, ou muito, seu.
E que saudade dá não te ver, vô. Acho que cheguei a pensar que seria pra sempre.
Mas somos passageiros, o senhor passou e, como bom merecedor desse grande acaso que é a vida, fez história, deixou lastro e que lastro.
Vai seu corpo, vai sua mão nos dando a benção, vai seu sorriso, vai sua voz, vai sua presença.
Mas fica a memória, essa lembrança gostosa e tudo o que o senhor é pra gente… Sua mão nos dando a benção, sua voz nos aconselhando, seu olhar que nos guiava, suas ordens, suas brincadeiras, suas poesias, sua voz embargada e emocionada depois de recitá-las, seu amor pelo belo, sua sapiência em tocar essa vida, suas histórias imortalizadas pelos seus…
… Enfim o senhor não vai estar para a festa, mas nós estaremos sempre em festa por celebrarmos essa convivência tão longa.
Viva o (vô) Alberto!
Com amor
Luci
Aqui vai uma das suas canções preferidas, que me fez lembrar de um forró delicioso que dancei com o senhor.
https://www.youtube.com/watch?v=Ibi1o1wN0h8
 

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2 respostas

  1. Lu, que sensacional o que escreveu! Bateu a saudade! E hoje seriam 105 anos!
    Que homem admirável, e com orgulho podemos dizer, ESSE É O NOSSO AVÔ!
    Parabéns! Suas palavras nos emocionou!

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