Voltando à vida: uma tentativa

voltando à vida

Aos poucos, de alguma forma, ainda aos trancos e barrancos, eu sinto que estou recuperando a vida.

Ainda em meio ao caos, ainda cheia de dor, dor que já não se aguenta dentro e apita em várias partes do corpo. Cabeça, joelho, estômago, costas, pescoço e um coração que traz uma faca cravada há meses. Ainda assim, eu sinto que estou recuperando a vida.

Infelizmente, em meio a tanta gente perdendo, perdendo a vida por causa de pessoas que não respeitam a vida, nem a sua, nem a dos seus, muito menos a dos outros. Eu tenho tentado cuidar da minha.

Aliás, o termo “Vai cuidar da sua vida” nunca foi tão necessário. Cuidando da minha eu cuido da sua sem fazer nenhuma fofoca. Quanto mais na minha, eu tô na sua, mais a gente tem chance de se encontra, de se misturar, de fofocar e até de brigar, mas a gente vai estar viva.

Feito quem tenta se salvar de um desabamento, eu tenho vivido em meu casulo. Vira e mexe parece que cai uma coluna em cima de mim e eu vou tentando escapar em meio à nuvem de poeira. Sigo em frente.

Busco as frestas, as brechas, como bem disse a Robertinha Fiuza num post meu no Instagram, foco no desimportante. Celebro um bolo de chocolate cheio de brigadeiro que ganhei de páscoa da minha mãe, fico feliz com a cerveja que programei pro almoço e com os cadernos e canetas que chegaram para que deslanchar nas crônicas e na minha tese (preconiza, senhor!).

Transbordo de alegria quando vejo o Nelsinho, o Nelsinho parece um potinho de ouro no final do arco-íris. Em direção a ele e junto a ele a vida é muito colorida, ela é linda. A vida é bonita demais perto das crianças.

Aqui, já um ano depois, consigo fazer planos pra depois. Consigo desembaçar a vista pouco a pouco, a medida em que meus pais se vacinam (primeira dose!!!), como se eu fosse me levantando por dentro dos escombros, mesmo sabendo que, se eu pisar em falso, posso derrubar uma viga bem em cima da minha coluna.

Ando manso, meio agachada, não falo alto, mas grito por dentro. Meus planos se maquinam e se embaraçam com meus sonhos e aflições. Não sei ao certo o que seremos depois daqui. O que permanece, o que volta a ser e o que muda.

Sei que agora o meu personal trainer que me atendia virtualmente da clínica dele aqui em Fortaleza, agora vai me dar aula desde a Rússia e que um dos meus professores do doutorado está na Dinamarca, enquanto nós, os alunos, estamos em Itaparica, Salvador, Fortaleza, Rio de Janeiro, Paris… A sala de aula ganhou o mundo,  eu posso fazer uma crônica só sobre isso.

Mas fato é que agora eu resolvi parar de brigar com a pandemia e encarar como parte da vida. Antes, eu só pensava e pedia pro tempo passar, hoje, vivo como quem tenta largar um vício: um dia de cada vez. Até vício eu larguei nesse ano, deixei a Coca-Zero. E hoje, um ano depois, marquei um encontro virtual com minhas primas. Sim, não adianta bater de frente com a pandemia. Vamos tomar um vinho, cada uma em sua casa, nada mais old fashion, chato, mas necessário tanto quanto as ombreiras e a meia fina (rsrsrsrs).

Brincadeiras a parte, se tem uma coisa da qual a gente não se cura é a saudade, e eu já tô minguando sem meus pedacinhos espalhados em formato de minhas primas.

Enquanto a pandemia corria e eu tentava sobreviver, nem percebi que  eu andava, não sei ao certo em qual direção, mas andava, aprendia, amadurecia, recuava e seguia. Até morar só eu vim, em minha própria cidade, na qual a gente só sai da casa dos pais pra se casar e, quando se separa, volta pra casa dois pais. Cinco meses já e parece que foi ontem, e parece que faz tempo como tudo neste tempo suspenso, mas absolutamente real e tão cruel quanto a realidade que pregou Maquiavel, mas isso é tema pra depois.

Existe vida nessa tentativa de sobrevida. Como os que creem, mesmo sem crer, penso que o melhor seja acolher, como quem desvia de um desmoronamento, respira pelas frestas e segue o cainho de um raio de sol que vai dar num lugar onde, finalmente, a gente possa… voltar a viver de outro jeito.

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